sábado, 17 de janeiro de 2009

Masculino/Feminino - Algumas reflexões

Que a cultura é necessária para a formação do sujeito não se pode negar. É através dela que se delimitam comportamentos (tabus), as estruturas de intercâmbio (proibição do casamento endogâmico), que se dá a castração para que o sujeito se inscreva no plano simbólico. Mas também não se pode ignorar o aprisionamento que certas regras sociais impõem em suas muitas formas de controle do ser humano. Regras que são impostas a titulo do bem viver, mas que muitas vezes somente trazem mal-estar.

Um exemplo disso é o engessamento do homem enquanto sujeito ativo e imbuído da autoridade sobre a família – autoridade que se fundamenta na figura do provedor e se representa pela tomada de iniciativas; demonstração de segurança; assunção da responsabilidade sobre a família. Essa a realidade das famílias patriarcais, especialmente após a intervenção dos higienistas, época na qual também se ditou às mulheres atributos como receptividade, não agressividade, passividade, fragilidade, doçura, e outras, conseqüentes da submissão ao homem.

Se naquela época as mudanças propostas/impostas – certamente por interesses econômicos – trouxeram/fortaleceram a nova visão da infância e promoveram uma nova forma de se cuidar da criança, valorizando a vida no âmbito familiar (vida privada), a amamentação, etc., trouxeram também o engessamento do “ser homem” e do “ser mulher”, de cujas novas funções e novos papéis dependia o Estado.

Com o esmaecimento da figura paterna, a desautorização da lei, a supervalorização do imediatismo no atendimento dos desejos, o sujeito de hoje parece viver outro dilema. O dilema entre a liberdade para ser o que quiser e a dúvida sobre o que quer ser, como que num movimento oposto ao da cultura que aprisiona/engessa.

Ao mesmo tempo, homens e mulheres lutam pelo poder. Poder fálico, Poder político, Poder econômico. Enfim, o Poder que tem por trás o objetivo da realização dos próprios desejos.

Será que a questão pode estar na divisão por gênero? Não seria melhor haver o respeito à singularidade à diversidade? Se falar em ser humano e não em homem e mulher? Fazer do respeito à alteridade uma forma de se alcançar a igualdade social e de direitos?

Talvez assim, os ditos homens (ativos) não precisariam carregar o peso da responsabilidade sobre a família; de ser forte; ser seguro; de tomar as iniciativas, e as ditas mulheres (passivas) não precisariam carregar o peso da obrigação de serem meigas, frágeis, submissas à dominação masculina. A anatomia não seria mais o ponto de partida para a expectativa sobre certos comportamentos, dando liberdade para que o simbólico se manifestasse da forma como quisesse, e os relacionamentos aí se dessem nas diversas conjugações possíveis. E a criança receberia os cuidados que requer, tanto do dito homem como da dita mulher, pois as funções maternas e paternas seriam cumpridas, assim como Winnicott considerou, por aquele que com ela convive e mantém vínculos.

Como de todo o conhecimento podemos tirar pontos positivos e/ou negativos, opto pelos pontos positivos, especialmente quando me reporto à criança, e me recordo da quantidade de pais – hoje mais habituados a assumir responsabilidades que antes eram designadas às mulheres, quanto aos cuidados com os filhos – que solicitam judicialmente uma convivência mais ampla com os filhos, mesmo quando estes são ainda bebês, e provam que reúnem condições para assisti-los adequadamente, a partir da experiência havida no casamento/ união. Sorte das crianças, que através desses pais dedicados e amorosos poderão usufruir de um universo diferente daquele vivido com certas mães que precisam tê-las como seus phallos.

Enilze de Freitas Medeiros - enilzefreitas@yahoo.com.br

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O masculino e o feminino como forças da natureza

Hoje, quando falamos em tragédia ou acontecimento trágico, não usamos o sentido filosófico do trágico, que Nietzsche percebeu na tragédia grega. Para ele, a tragédia era a forma de arte mais elevada, pois nela o sentido do termo "trágico" era uma afirmação da realidade, fosse ela qual fosse. Em seu primeiro livro, de 1872, "O nascimento da tragédia", Nietzsche explica a tragédia grega surgindo da união de dois instintos artísticos opostos que se manifestam na própria natureza (e não apenas nos homens): o apolíneo e o dionisíaco. Apolo é o deus da ordem, da precisão, da razão, da luz, da medida, da forma e da ordem. Dioniso é seu oposto e rival: ligado ao dilaceramento, à imprecisão, à escuridão, ao mistério, ao sonho, à embriaguez, ao êxtase, à perda de limites, à dissolução do individual e comunhão com a natureza. As festas para este deus eram onde se perdia totalmente os limites, num terror dionisíaco (para os romanos o deus tinha ouro nome: Baco - daí surgindo o termo "bacanal" para estas celebrações). A tragédia, na teoria desenvolvida por Nietzsche, era a arte mais elevada pois conseguia mostrar o dionisíaco em harmonia com o apolíneo. Não mais uma festa caótica de embriaguez, nem o que viria a se tornar o teatro - sem música nem participação do público no espetáculo. Mas o que quero destacar nesse trabalho é que essas forças opostas e complementares, para Nietzsche, estão em tudo, pois surgem da própria natureza. E de sua eterna batalha nasce a harmonia, como já falava Heráclito, filósofo pré-Socrático, há mais de cinco mil anos trás: "o contrário em tensão é convergente; da divergência dos contrários, a mais bela harmonia." (fragmento 8) Aqui podemos explorar melhor o tema do semestre. Sendo forças gerais, de toda a natureza, será que podemos pensar também o apolíneo como masculino e o dionisíaco como feminino? Não há consenso na filosofia sobre isso. Aceitando tal hipótese, e indo mais além: será que estes impulsos dividem-se ao formar homens e mulheres ou misturam-se em cada homem e em cada mulher? A história mais recente das relações humanas parece ter mostrado uma mudança no papel do homem e da mulher em que cada vez mais o indivíduo parece poder mostrar socialmente que traz em si as duas forças e reprimir cada vez menos uma delas). O homem-machão-provedor-insensível-do-mundo e mulher-emotiva-passiva-de-casa parecem cada vez menos reais. Será que está nascendo em cada indivíduo a bela harmonia de que Heráclito falava? Jung achava que sim. E, resumidamente, nisso consistia a sua teoria da individuação: que cada indivíduo, ao longo de sua vida, tenderia a equilibrar seu masculino e seu feminino, assim como qualquer força oposta desequilibrada. Ele ia além e falava que a própria sociedade também tenderia a esse equilíbrio. E é o que parece realmente estar acontecendo. Ele falava de um ponto chave na vida do indivíduo: os 50 anos. Se alguém levasse uma vida com muita tendência para um dos lados, após esta idade, tenderia a ir para o outro, para compensar. A carreira do ator e diretor Clint Eastwood parece confirmar essa teoria. Até os 50, fez filmes extremamente "masculinos", de faroeste, violência, ação. E, ao passar este marco, fez e dirigiu filmes muito mais sensíveis, iniciando com o belo "As pontes de Madison" (The Bridges of Madison County, 1995). Fabio Rocha - www.fabiorocha.com.br

Para além dos destinos da anatomia: as novas singularidades contemporâneas

Uma grande amiga, mãe de 2 filhos, casada, bancária me mandou um convite para participar de uma comunidade que ela criou no Orkut “Nasci pra ser mãe não para ficar em casa”. Ela deixou o emprego após o nascimento do segundo filho, porque queria estar mais perto deles. Diz estar feliz, mas sente falta de sua vida profissional e há momentos em que se pergunta se fez a escolha certa.
Este é um dilema enfrentado por muitas mulheres que inicialmente escolhem seguir uma carreira profissional e deixar de lado uma dedicação exclusiva ao lar e a família, mas com o nascimento dos filhos precisam rever tal decisão. O nascimento de um filho, para a grande maioria das mulheres, é algo arrebatador, pois muda muito a vida, a rotina, as responsabilidades.
Ouvi uma outra amiga, que não quer ter filhos, dizer que prefere uma vida radical, cheia de riscos e aventuras. Nossa! Risco maior do que ter um filho! É como se um pedaço de você estivesse por aí correndo e você quisesse o tempo todo saber onde.
Essa é uma questão contemporânea de mulheres que lutaram por seus direitos. Sabemos que há algum tempo os papéis de homens e mulheres eram bem definidos. Mulheres cuidavam da família em casa e o homem sustentava o lar e dava as ordens. E hoje? Depende. A mulher pode ou não trabalhar fora, o marido também, e nem sempre quem sustenta é quem manda. As relações de poder mudaram, a mulher deixou de estar apenas à sombra do homem. Convivemos hoje com essa grande conquista nas relações de gênero, mas ela advém de outras grandes mudanças.
Com o advento do Capitalismo, o mundo globalizado, o crescimento econômico, o privilegiamento das leis do mercado, da competição e do individualismo criou-se também uma ampla noção de liberdade sem limites, onde o indivíduo pode ser tudo que quiser, tudo depende dele. No feudalismo, ou nascia pobre ou rico, era a vontade de Deus e só. Contudo, essa ideologia trouxe muita insegurança.
Segundo Anzieu, na clínica hoje, mais da metade da clientela psicanalítica é constituída pelo que se chama estados-limite e/ou personalidades narcísicas. Homens e Mulheres vivem num nível de exigência grande, de muita insegurança, já que lidam com questões novas para ambos. E será que estes novos indivíduos, com todas estas novas exigências e desafios tiveram uma “mãe suficientemente boa” ou tiveram a chance de ser rei na fase da “onipotência infantil” como definia Winnicott. Será que eles estão preparados pra esta luta diária?
Quero dizer com isso que uma boa parte de nossos pacientes, apesar de estarem na corrida por bons empregos, serem bem sucedidos, ainda mostra-se completamente desamparados e inseguros em relação a eles mesmos. Ainda ouvimos dizerem “que não são nada” e que “não são capazes de ser amados”. É necessário nos debruçarmos sobre o desenvolvimento psíquico, dando condições para que o indivíduo possa se desenvolver e amadurecer, para que homens e mulheres possam usufruir dessas conquistas, reconhecerem seu esforço, lutando pelo que se quer, sabendo quem se é e o que já se conquistou. Pois muitas vezes, apesar de terem algum poder de consumo, as pessoas estão perdidas, correm, competem, se relacionam com o outro precariamente e acreditam q não são nada.
O momento exige que sejamos criativos para encontrar novas formas de estar no mundo para além dos papéis socialmente prescritos. Então como ser um homem ou uma mulher? Porque sabemos que biologicamente nascemos como tal, mas que há vários fatores para nos tornarmos Homem e Mulher, assim como nos tornarmos mãe, pois todas as mulheres, a princípio, podem parir, mas nem todas se tornam efetivamente mães. Para viver melhor e enfrentarmos todas essas complexidades é que precisamos estar inteiros, ter um contorno e um limite.

Alessandra Bustamante - alebust23@yahoo.com.br